Por Luah Galvão, do time Humans Can Fly e colunista da Escola São Paulo.
O mundo está mudando, rumando para um cenário cada vez mais autêntico e múltiplo – diferente de todas as épocas anteriores.
Como diz o filósofo, cientista interdisciplinar e prêmio Nobel da Paz Ervin Laszlo em seu livro “Um Salto Quântico no Cérebro Global”:
“Defrontamo-nos com uma nova realidade, tanto individual como coletivamente. A mudança se dá porque o mundo humano tornou-se instável e não mais sustentável. Mas a revolução da realidade abriga uma oportunidade única: essa é a primeira década da história que nos oferece a escolha entre ser a última de um mundo desvanecente e obsoleto, ou a primeira década de um mundo novo e viável. A realidade emergente é radicalmente nova, intrinsecamente surpreendente e anteriormente imprevista. Vivemos a era da macromudança.” O livro, excelente por sinal, é um tratado sobre os tempos modernos e os papéis da economia, política e da sociedade frente ao novo contexto. Diante desse cenário tão disruptivo, escolhi conversar sobre o papel da liderança, que acredito, também deva romper com paradigmas obsoletos e avançar para um formato mais autêntico.
Mas afinal, quais os contornos da nova da liderança? Vamos tatear juntos?
Vejo no horizonte uma nova onda se formando, acredito que o foco da liderança, hoje em gestão de pessoas, vai começar a dividir o palco com a gestão holística. É isso aí, a “liderança holística” começa ganhar espaço em estudos, metodologias e novas ferramentas de governança.
O interessante é que muita gente ainda trata o holismo com um certo preconceito, atribuindo a tudo que é “holístico” falsas percepções. Legal então definirmos o termo antes de seguir: A palavra holístico foi criada a partir do termo “holos”, que em grego significa “todo” ou “inteiro”. Já o conceito holismo foi criado por Jan Christian Smuts em 1926, que o descreveu como a “tendência da natureza de usar a evolução criativa para formar um “todo” que é maior que a soma das suas partes.” Já a visão holística é a visão global, oposta à lógica mecanicista que é compartimentada, causando a perda da visão total. Abro novas aspas para Ervin Laszlo: “Chegou a hora de mais uma mudança: de uma civilização de Logos (Razão) para uma civilização de Holos (Todo).
Atingir uma civilização de Holos significa passar por uma transformação que é única na História, mas que é mais rápida do que qualquer transformação que tenha ocorrido no passado. Por causa da velocidade com a qual a macromudança global de hoje está se desenvolvendo, muitas pessoas não conseguem acompanhar essas transformações: para eles, uma civilização de Holos parece utópica. No entanto, há pessoas para quem a cultura holística já é norma. E há muito mais dessas pessoas do que podemos imaginar.”
Uma vez que o holismo está alinhado à uma visão global e sistêmica, a liderança holística é a promessa de um modelo mais autêntico e integral, com olhos no futuro e nos desdobramentos da macromudança. Pedi reforço com o tema e entrevistei a consultora Darlene Dutra – diretora do Instituto POTHUM e idealizadora dos Programas 4TOUCH, TI Talento e SOS Liderança.
A primeira coisa interessante a citar é que quando trago a palavra liderança, gostaria de ampliar o foco para além dos líderes corporativos ou políticos, e Darlene me ajuda nessa expansão, contextualizando os líderes e a liderança dos novos tempos:
“Líderes não são apenas aqueles em posição de gerência, coordenação, supervisão ou chefia, mas todos que de alguma forma, seja através do conhecimento, da atitude ou forma de ser, lideram pessoas, ideias e atividades.
A liderança está em uma importante fase de transição. Hoje o acesso à informação foi amplificado, tornando a liderança mais exposta, e seu papel ainda mais desafiador. O aumento considerável da complexidade que envolve os tempos modernos – representada pela revolução tecnológica, globalização econômica, diversidade cultural, etc, convida a liderança a transcender as fronteiras de seu modelo tradicional e se reconstruir para atender essa nova realidade.”
E emenda “Nos novos tempos, os líderes são e serão ainda mais reconhecidos por seus princípios e valores – não negociáveis, e pela maior consciência de si e da missão que carregam. Holísticos por apresentarem uma visão muito mais ampla da organização ou do contexto em que estão inseridos, levam em consideração a interdependência entre os aspectos econômicos, humanos, sociais, ambientais e políticos. Suas decisões consideram variáveis que transcendem os negócios e efetivamente seus lucros, preocupam-se verdadeira e estrategicamente com a sustentabilidade social, ambiental e com os efeitos coletivos que promovem, tanto para essa geração quanto para as futuras. Estão atentos não somente aos resultados em si, mas como estes são obtidos.” Fica fácil de perceber o alargamento de visão característico da liderança holística. Quando se amplia a conexão consigo e com o outro, a totalidade – característica primordial do holos – começa a se manifestar. A equipe passa a ser vista como um conjunto equânime onde todos tem seu valor e são interdependentes. Na visão holística, não existe uma área, parte ou grupo mais relevante, o que importa é o conjunto harmônico e o despertar do protagonismo de cada um dos envolvidos. Podemos comparar o líder holístico com um maestro que enxerga o todo e afina cada um de “seus instrumentos” para que toquem harmonicamente a melodia.
Questionei Darlene Dutra sobre quais são as características que estão presentes nos agentes dessa nova liderança. Achei mais prático distribuir as respostas em tópicos:
-
- Uma das características mais relevantes é ser seu próprio exemplo. São primeiramente líderes de si mesmos.
-
- Não basta parecer, é preciso SER.
-
- A coerência entre o que se é e o que se pratica torna-se base fundamental.
-
- Possuem uma maior consciência de suas próprias emoções e clareza sobre seus objetivos.
-
- Atuam especialmente em causas e missões de interesses coletivos e não de interesses particulares.
-
- Tem o poder de articular e facilitar a realização das missões e propósitos que dirigem.
-
- São donos de uma visão crítica e de um grande senso de justiça.
- Os líderes para o agora e para o futuro tem o importante papel de inspirar os demais. Despertam nas pessoas o que elas tem de melhor, considerando suas necessidades e suas emoções.
Se você já exerce um papel de liderança, está em transição para cuidar de um time, pensa em se empreender ou até mesmo liderar melhor sua vida, vale a pena refletir sobre cada um dos pontos citados pela Darlene, eles ajudam na construção de uma gestão mais atual, inovadora e sistêmica.
Em todas as organizações, desde as mais simples como o lar, o bairro, uma associação, passando pelas pequenas empresas até as grandes corporações, a estrutura baseada nos holos tem uma tendência mais assertiva para acompanhar as macromudanças já presentes em nossa sociedade e no mundo.
Laszlo comenta em seu livro: “A mudança de realidade que experimentamos hoje se refere à maneira como nos relacionamos uns com os outros, com a natureza e com o cosmos.” Portanto, todas as nossas interações também passam por um refinamento e a liderança não podia ficar de fora. Ela também reajusta sua rota, aprimorando a maneira de se relacionar com o outro e com o meio. Percebo também um aumento considerável de líderes buscando por caminhos de autoconhecimento e práticas relacionadas ao equilíbrio e harmonização, como Yoga, Mindfulness, Meditação, etc…, dividi essa minha observação com a Darlene e perguntei se ela considerava que os líderes praticantes desses caminhos geravam algum impacto em suas atividades profissionais.
Ela comenta que hoje existem inúmeras ferramentas, tecnologias e técnicas disponíveis para aqueles que desejam aprimorar-se. “O mergulho no “eu interior” pode sim fazer uma grande diferença, tanto ampliando a consciência sobre responsabilidades e oportunidades, como ajudando no desenvolvimento de novas capacidades. O autoconhecimento é uma alavanca sensacional, podendo conectar líderes à grandes objetivos de transformação”. E faz uma ressalva: “O simples fato de conhecer técnicas, não pressupõe seu alcance. É necessário um engajamento muito próprio e profundo afim de colocá-las em prática.”
Lembro aqui de uma curiosidade super interessante que descobrimos em nosso projeto Volta ao Mundo…
Quando passamos pelo sítio arqueológico de Tikal (Guatemala), descobrimos ao escalar a maior das pirâmides do complexo, que no topo da construção se encontrava uma plataforma quadrada de pedra coberta, com uma enorme “janela panorâmica” na frente. Perguntamos sobre a função daquela plataforma e nos contaram que era um local próprio para que o líder do clã Maia pudesse olhar a cidade como um todo (holos) e meditar sobre as decisões importantes a serem tomadas.
E as descobertas seguiram adiante. Os descendentes dos governantes Maias ao nascer passavam por um processo de alargamento do crânio. Muitos citam que esse procedimento na região superior da cabeça e da testa tinha como finalidade aproximá-los ao formato da espiga de milho – alimento considerado sagrado pelos povos indígenas da América Central. Mas outra corrente conta que tal alargamento tinha como finalidade a abertura do terceiro olho, e assim, o despertar da intuição, da ampla visão, da consciência, enfim, do olhar holístico.
Acho que as descobertas na Guatemala são apenas um exemplo sobre esse anseio por uma visão mais consciente que o homem já buscou inúmeras vezes ao longo da História. E como conclu Laszlo no final de seu livro:
“A conexão entre uma mudança na consciência e uma mudança na civilização foi imaginada por diversas culturas nativas, incluindo a cultura dos Maias, Cherokees, Hopis, Incas, Mapuches, etc… É provável que a conquista da consciência transpessoal promova o progresso rumo a uma civilização baseada na empatia, na confiança, na solidariedade, uma civilização de Holos.”
Que assim seja!
Via Exame