A entrega do prêmio de “Melhor Diretor” para Sofia Coppola no Festival de Cannes foi um dos pontos de maior destaque da edição de 2017 do evento e levantou a discussão sobre a pouca representatividade feminina no tradicional festival de cinema. Isso porque Sofia foi a segunda mulher a angariar o título em 71 anos de história da prestigiada premiação francesa.
A primeira foi a russa Yuliya Solntseva, em 1961, que recebeu o troféu por A Epopeia dos Anos de Fogo (Flaming Years). O filme aborda a resistência russa à invasão nazista durante a Segunda Guerra Mundial e chamou a atenção do júri de Cannes principalmente por seus aspectos técnicos inovadores – movimentos radicais de câmera e experimentações com som e narração.
Apesar do prêmio, Yuliya teve o seu trabalho ofuscado pelo de seu marido, Alexander Dovzhenko, considerado um dos quatro principais cineastas russos da primeira fase do cinema e a mente criativa de obras consagradas como Zvenigora (1928), Arsenal (1929) e Terra (1930). A vitória de Sofia em Cannes resgatou não apenas o nome de Yuliya, como também o interesse no seu trabalho e a sua importância para a história do cinema soviético. Tanto que o Museum of the Moving Image, de Nova York, realizou uma retrospectiva com as principais obras de Yuliya.
MUITO MAIS QUE UMA MÃO INVISÍVEL
Yuliya começou como atriz, ainda no período do cinema mudo, e ganhou fama nacional ao estrelar Aelita, em 1924, considerado o primeiro filme de ficção científica russo e uma das principais inspirações do cineasta Fritz Lang para a criação do clássico alemão Metrópolis.
Foi a partir do casamento com Dovzhenko que ela passou a atuar atrás das câmeras, como assistente de direção. Após a morte do marido, em 1956, ela decidiu finalizar os projetos inacabados do marido, incluindo as ideias dos filmes que se tornariam as suas produções mais conhecidas: Flaming Years, Poem of an Inland Sea (1958) e The Enchanted Desna (1964). “Se Dovzhenko estivesse vivo, eu nunca teria me tornado uma diretora; tudo o que faço é considerado como uma defesa e uma ilustração do trabalho dele”, declarou na época.
Embora minimizasse o seu papel criativo nas produções, os três filmes deixaram claro que Yuliya era muito mais que uma mão invisível apoiando o legado do marido e que possuía uma linguagem própria. Tanto que chamou a atenção de nomes como o de Jean-Luc Godard, que era fã de The Enchanted Desna. Em sua trajetória como diretora, Yuliya dirigiu 14 filmes, realizados entre 1939 e 1979. Produções que se destacam pela linguagem poética das narrativas e pela experimentação sonora.