Publicado em

ENTRAMOS NO CHEQUE ESPECIAL COM O PLANETA

Sustentabilidade

E isso não é nada bom 

No fim de julho, a humanidade utilizou todo o estoque de árvores, água, solo fértil e peixes disponíveis na Terra para todo o ano de 2018. Desde o dia 1º de agosto, estamos em débito com o planeta, utilizando recursos além da capacidade de regeneração do planeta,  operando, oficialmente, no “cheque especial”. É o que aponta o levantamento feito pela Global Footprint Network (GNF), uma organização não governamental de pesquisa de recursos naturais e mudanças climáticas que avalia o impacto do homem no mundo.

Até o fim do ano, teremos consumido 1,7 planeta Terra para atender aos nossos padrões de produção e consumo. Realizada desde a década de 1970, a análise sobre o momento em que passamos a ficar em dívida com o planeta é chamada de “Dia da Sobrecarga da Terra”, Earth Overshoot Day, em inglês. A cada ano, o nosso saldo negativo com o planeta só tem aumentado. No ano de 1970, entramos no vermelho em 29 de dezembro; em 1975 no dia 28 de novembro; em 2016 no dia 8 de agosto; e neste ano no dia 1º de agosto. “Se não mudarmos nosso comportamento de consumo, a projeção é de que precisaremos de mais de três Terras antes de 2050. Esse é um dos motivos pelos quais precisamos cumprir o Acordo de Paris (de 2015). Mas, além de cobrar que os governos alcancem as metas de emissões, cada pessoa pode colaborar para diminuir o seu impacto negativo no meio ambiente com pequenas ações cotidianas”, explica Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, ONG que atua há 16 anos pelo consumo consciente, em entrevista ao Estadão.

O consumo excessivo e o desperdício de comida (um terço dos alimentos produzidos vão direto para o lixo) são algumas das razões que contribuíram para que chegássemos ao cenário atual. O principal fator, contudo, é o uso de combustíveis fósseis (que representam 60% da pegada ecológica da humanidade). Se a gente reduzisse pela metade o consumo de carbono, o Dia de Sobrecarga da Terra ocorreria em novembro. Segundo os especialistas, o consumo excessivo dos recursos naturais pode provocar escassez de água, erosão do solo, perda de biodiversidade, incêndios florestais, furacões, entre outros sérios problemas. “O Dia da Sobrecarga da Terra pode não apresentar diferenças da noite para o dia – você ainda tem a mesma comida em sua geladeira”, disse o CEO da Global Footprint Network, Mathis Wackernagel, em comunicado oficial. “Mas, os incêndios estão ocorrendo no oeste dos Estados Unidos. Do outro lado do mundo, os moradores da Cidade do Cabo tiveram que reduzir pela metade o consumo de água desde 2015. Essas são consequências de estourar o orçamento ecológico do nosso único planeta”.  

Ele destaca que usando os recursos futuros da Terra para operar no presente nós só aprofundamos a nossa dívida ecológica e colocamos em risco a nossa própria existência no planeta. “É hora de acabar com esse esquema e alavancar nossa criatividade para criar um futuro próspero, livre de combustíveis fósseis e sem destruição planetária.” De acordo com o levantamento da Global Footprint Network, países economicamente mais ricos utilizam mais recursos naturais que os países mais pobres. Se todas as pessoas do mundo vivessem como os Estados Unidos, por exemplo, seriam necessários quase cinco planetas. Se tomássemos a Alemanha como exemplo, seriam necessários mais de três planetas.  

Embora o Brasil ainda seja visto como uma espécie de “credor” de recursos naturais, devido ao fato dos recursos naturais disponíveis serem superiores à pegada ecológica individual de cada brasileiro, o país é apontado como o que consome recursos naturais em um ritmo mais acelerado que a média no mundo. Considerando somente os gastos com produção e consumo por aqui, o Dia de Sobrecarga da Terra seria em 19 de julho (e consumiríamos o equivalente a 1,83 planetas). Além disso, somos a nação que menos reaproveita resíduos – no ranking dos países que mais produzem lixo no planeta, nós estamos em quinto lugar. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 20 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos poderiam ser recuperados por ano com reciclagem – 25% do total do lixo gerado. Por conta de tudo isso, repensar nosso estilo de vida (como comemos, como bebemos, como nos vestimos, como nos locomovemos, como empreendemos) e a forma como lidamos com o nosso lixo é algo mais que necessário, é essencial e urgente!