Por Gustavo Prudente, do time Humans Can Fly e colunista da Escola São Paulo.
Desenvolvemos, como humanos, uma estratégia básica para lidar com nossa vulnerabilidade: acumular poder. Mesmo que não aplaque plenamente nossa angústia, sentirmo-nos poderosos perante o outro nos traz uma (frágil) sensação de segurança. Com o tempo, criamos diversas variáveis dessa estratégia, que fazem parte de nosso cotidiano sem que percebamos. É sobre elas que discorre uma série de textos que inicio agora e que aos poucos serão compartilhados aqui no portal da Escola São Paulo.
Uma maneira simples de acumular poder é desqualificar o outro. Quem é desqualificado perde força, e quem desqualifica ganha. Algumas maneiras comuns:
1) Banalizar o discurso: dar a entender que o conteúdo que o outro traz é simplório, batido, sem brilho, clichê, desinteressante, irrelevante. Quem detém conhecimento formal, por exemplo, costuma se valer desse recuso, para fazer o outro se sentir superficial e sem bagagem intelectual.
2) Infantilizar o outro: tentar mostrar que o outro está sendo movido por impulsos imaturos, que seu discurso é emocional, sem racionalidade, ou movido por padrões psicológicos primários. Muito usado por quem acredita estar num estado mais evoluído, por seu nível de autoconhecimento ou espiritualidade, ou mais maduro intelectualmente.
3) Usar das credenciais: valer-se de formação e certificação (ou de estar próximo de figuras eminentes) para comprovar que a narrativa do outro carece de fundamento intelectual ou científico, ou que é não-profissional, e que, portanto, não merece ser ouvida. Comum entre os que têm vaidade acadêmica ou estão autocentrados em seus privilégios, a ponto de não perceberem que a credencial é apenas um símbolo de um conhecimento dominante – e não de todo o conhecimento válido.
4) Desmascarar o outro: abusar do contraponto ao discurso do outro, fazendo-o de maneira a parecer que se está trazendo a antítese final e inquestionável do que o outro disse – e que, portanto, o desmascarado é ignorante e o desmascarador é inteligente, pois viu o que ninguém estava vendo. Geralmente vem com uma metralhadora de argumentos que também são passíveis de contraponto, mas por seu tom categórico, parece que não são.
5) Questionar a integridade: já bem conhecido em suas variantes “calúnia” e “difamação”, trata-se tão simplesmente de jogar dúvida sobre o caráter ou as boas intenções do outro. Vem na versão explícita e sutil, que apenas planta uma semente de desconfiança. Quem é mal intencionado jamais poderia oferecer algo relevante. Muito usado recentemente, após o extermínio de Marielle.
6) Atacar o outro: a tática mais básica, na qual os xingamentos são arma recorrente. Ao fazer o outro dobrar-se pelo peso da violência moral, psicológica ou física, ganha-se (aparentemente) poder.
Como estamos usando a desqualificação das pessoas de nossas redes e comunidades para nos sentir poderosos perante o outro? E que bem (ou mal) isso está fazendo para nós e para o mundo?
ADVERTÊNCIA: esse texto pode facilmente ser usado para desqualificar o outro. Não faça isso!
No próximo texto, irei trarar sobre “Gestão e Supressão da Raiva”. Em breve, nos vemos por aqui.