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BERGMAN, O CINEASTA DAS ANGÚSTIAS EXISTENCIAIS

“Eu quero que o público sinta os meus filmes. Isso é muito mais importante para mim do que compreendê-los.” Era dessa maneira que o diretor Ingmar Bergman encarava a sua produção cinematográfica, uma das mais importantes do século XX. Considerado uma das principais referências do drama existêncial no cinema mundial, o realizador sueco, que completaria 100 anos em 2018, criou filmes que discutem temas como repressão sexual, moral religiosa, relacionamentos em crise, autoritarismo nas relações familiares, solidão e o sentido da vida. Parece atual, não? 

Nascido em Uppsala, um dos principais centros religiosos da Suécia, Bergman era filho de um pastor luterano, Erik Bergman, a quem o diretor descrevia como um “monstro frio” amável na igreja, mas extremamente rígido em casa. Ele os dois irmãos cresceram em um ambiente familiar bastante rigoroso e conservador. “A maior parte de nossa educação era baseada em conceitos como pecado, confissão, castigo, perdão e misericórdia, fatores concretos nas relações entre pais e filhos e com Deus”, escreveu o cineasta na autobiografia Lanterna Mágica. Os tormentos da infância foram revisitados por Bergman no filme autobiográfico Fanny e Alexander, de 1982, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, fotografia e direção de arte e a produção estrangeira com maior número de Oscars da história, ao lado de O Tigre o Dragão, do diretor Ang Lee. 

A lanterna mágica da autobiografia faz referência a um cinematógrafo que o irmão mais velho dele ganhou de presente de Natal e pelo qual Bergman trocou sua coleção de soldadinhos de chumbo. É também considerado por ele o momento em que teve início o seu interesse pela sétima arte – isso e as sessões de cinema em que ia com a avó (sem o pai saber) na mesma época. No quarto, sozinho, o diretor posicionava o cinematógrafo, projetava sobre a parede imagens de diversos objetos e ali criava suas primeiras narrativas. “Sempre que desejo posso trazer de volta o cheiro do metal aquecido, os odores do remédio contra traças e da poeira do guarda-roupa, sinto a manivela na minha mão, o tremor do retângulo na parede”, declarou certa vez.  

Sua estreia no cinema acontece em 1944 como roteirista do filme A Tortura do Desejo. A carreira como diretor começa em 1947 com Um Barco para a Índia. Dez anos depois, ele alcança sucesso mundial com os filmes O Sétimo Selo (épico ambientado no período da Peste Negra no qual foi criado um dos planos mais memoráveis do cinema em que um cavaleiro medieval, interpretado por Max Von Sydow, joga xadrez com a morte) e Morangos Silvestres, um drama estrelado por Victor Sjöström, considerado o pai do cinema sueco. Não à toa, o documentário Bergman – 100 Anos, da cineasta Jane Magnusson, lançado em 2018, tem como foco o ano de 1957.  

Ao longo de mais de 60 anos de carreira, Bergman criou filmes que revolucionaram a produção cinematográfica no mundo graças à sua iniciativa de subverter regras e acrescentar à linguagem do cinema novos elementos. Fora a abordagem de temáticas existenciais, tornaram-se características de seus filmes as narrativas fragmentadas; a habilidade de trabalhar com os contrastes entre luz e sombra; seu interesse por histórias protagonizadas por mulheres; e as tomadas tão próximas do rosto dos atores que fazem o público conseguir captar precisamente os medos e anseios dos protagonistas. “O close-up em um ator, quando corretamente iluminado, dirigido e atuado, continua sendo o auge da cinematografia. Aquele contato estranho e misterioso que você pode de repente experimentar com uma outra alma através do olhar de um ator. Um pensamento súbito, um sangue que escorre pelo rosto, as narinas trêmulas, a pele repentinamente brilhante ou o silêncio mudo. Esses para mim são alguns dos momentos mais fascinantes e incríveis que você irá experimentar.” 

Somam-se ainda outras obras-primas como Fonte da DonzelaSonata de OutonoPersona e Gritos e Sussurros (essas duas últimas as preferidas do diretor “Foi o mais longe a que cheguei”), o diretor foi premiado sete vezes no Festival de Cannes (incluindo a Palma das Palmas, prêmio inédito até hoje) e ganhou dois Ursos de Ouro no Festival de Berlim, um Leão de Ouro no Festival de Veneza e três vezes o Oscar de melhor filme estrangeiro. Seu trabalho influenciou diretores como Woody Allen (que homenageia Morangos Silvestres em Descontruindo Harry), Andrei Tarkovsky, Martin Scorsese, Pedro Almodóvar, François Ozon, Asghar Farhadi, Lars von Trier e Guilhermo del Toro. A Bravo! fez uma ótima seleção dos cinco filmes essenciais para entender a obra do diretor sueco. 

Bergman era integrante de uma geração de cineastas que buscava criar obras autorais (dos longas-metragens que dirigiu, apenas seis não são baseados em um roteiro que assinou), sérias e artísticas cujo valor não pudesse ser mensurado apenas pelo sucesso nas bilheterias. Além disso, seu objetivo era fazer filmes que falassem diretamente com o inconsciente coletivo do público. “Nenhuma outra forma de arte vai além da consciência ordinária como o cinema, que vai direto nas nossas emoções, fundo no crepúsculo da alma.”  

Fora o trabalho no cinema, o diretor também atuou no teatro, produzindo 126 espetáculos (costumava dizer que era um homem de teatro, sua primeira grande paixão), além de 39 peças de rádio e programas para a televisão. Em uma das cenas mais icônicas de o Sétimo Selo, a morte pergunta ao cavaleiro se ele nunca para de se questionar ao passo que ele responde “não, eu nunca paro”.  Bergman seguiu com seus questionamentos existenciais até 2003, quando se aposentou aos 85 anos. Ele morreu em 2007, aos 89 anos, sozinho em sua casa na Ilha de Faro, cenário de muitos de seus filmes. Muito mais que filmes “intelectuais”, ele deixou um legado de obras que nos ajudam a entender quem somos e qual é o real sentido da vida.  

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POR TRÁS DOS FIGURINOS

Figurinos são importantes como ferramenta em processos criativos, seja no audiovisual, seja no teatro. Além de ajudarem os atores no processo de criação dos personagens, eles também apresentam ao público informações essenciais sobre aquelas pessoas em cena. Figurinista há mais de 30 anos, Marichilene Artisevskis afirma que a construção do seu trabalho leva em consideração dados ligados às histórias dos espetáculos e elementos que não necessariamente têm relação com as obras, mas que alimentam a sua criatividade.  A gente bateu um papo com ela para entender um pouco mais sobre o processo de desenvolvimento dos figurinos e a importância das referências no trabalho de criação no teatro: 

ESCOLA SÃO PAULO: O Mal Entendido, um dos espetáculos nos quais você trabalhou, é inspirado em uma história real que aconteceu em Belgrado, na década de 1930, e a montagem, embora não especifique o local onde se passa a história, buscou trazer à tona para o palco esse ambiente. Qual o peso do figurino neste processo?  

Marichilene: O teatro não tem muito essa função de caracterizar figurinos de época, porque o cinema já faz isso lindamente. No palco a discussão é muito maior, mesmo quando se trata de obras clássicas. Você as olha sob as perspectivas do hoje. Em O Mal Entendido, os figurinos não fazem referência à época em que a história se passa, mas sim a particularidades de cada personagem. Decidimos que os três personagens principais (mãe, filha e criado) apresentariam característica de habitantes de um lugar frio que parou no tempo. O figurino em si sugere algo antigo, mas não é. É uma mistura de coisas, na verdade. Todos os personagens estão com o corpo bastante coberto, usando luvas e casacos, justamente para caracterizar pouca exposição ao sol e transmitir a ideia de isolamento e de poucas referências de mundo.

ESCOLA SÃO PAULO: Quais foram as principais referências para criação do figurino deste espetáculo?  

Marichilene: Como figurinista, as minhas referências vem de diversos lugares: moda, cinema, arte. A criação para cada personagem é muito particular. A Marta (a filha), por exemplo, a personagem principal do espetáculo, tem várias características pessoais que me ajudaram a desenhar o figurino dela, como o desejo de ver o mar (que me fez mergulhar no universo dos marinheiros), e uma inocência quase infantil. Por isso, as roupas dela têm tons de azul e ela utiliza sapatos de boneca. 
ESCOLA SÃO PAULO: Quanto tempo é preciso para definir e criar cada uma das peças apresentadas em cena?  

Marichilene: Geralmente é um processo longo que envolve a participação direta nos ensaios. A primeira coisa que eu faço é uma pesquisa de imagem para abrir o olhar e entender o universo da obra. Neste processo, eu entro em contato com as mais diversas referências possíveis. Nem todas eu uso, mas todas de alguma forma alimentam a minha criatividade. Neste espetáculo, eu fui fazendo provas nos atores durante os ensaios para entender o que funcionava em cada personagem, mudando o que não funcionava em cena. Este processo é necessário porque faz com que os atores e a direção da peça se apropriem daquele figurino a ponto dele quase não ser notado em cena de tão integrado que está ao espetáculo.