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BJÖRK, YOUTUBE E A REALIDADE VIRTUAL

É lugar comum dizer que Björk é um dos ícones culturais mais importantes do século 20. Gostando ou não de suas músicas, as suas pesquisas artísticas, de linguagem, de experimentação e tecnologia não têm como passar desapercebidas. Com seu posicionamento de artista transmídia, ela desafiou e segue desbravando e desestruturando o status quo musical. Como lembra Ali Prando, em seu texto no site do MIS, “A artista, que se confessa fascinada com o uso da tecnologia, é aclamada pela crítica especializada por combinar diversos gêneros musicais, como música eletrônica, jazz, trip hop, folk e ethereal wave, mantendo-se eternamente inclassificável.”

Cultura Pop

Quando falamos de cultura pop, os valores éticos e estéticos contemporâneos aparecem de formas diferentes, mas são sempre muito importantes para que possamos entender onde estamos, e, talvez (por que não?), para onde vamos.

“Sempre acostumados a nos admirar com cada evolução musical e artística que Björk nos apresenta – que são, de fato, pequenas grandes revoluções –, não nos damos conta de que ela, na mesma medida em que nos traz todas essas novidades, também oferece uma questão ligeiramente perturbadora: para onde vai o futuro?”– *Zeca Camargo

*Trecho do texto produzido por Zeca Camargo para um folder especial que se transforma em um pôster, com textos também de Björk e Cleber Papa (diretor cultural do MIS).

A Exposição de Björk no Brasil

Björk Digital é um projeto de realidade virtual de Björk em colaboração com alguns dos maiores artistas visuais do mundo, como Andrew Thomas Huang e Jesse Kanda. A exposição-instalação traz ao Brasil seis trabalhos da artista, extraídos de seu penúltimo álbum, Vulnicura**, lançado em 2015: Stonemilker, Black Lake, Mouth Mantra, Quicksand, Family e Notget. Além dos seis vídeos, Björk Digital apresenta o projeto educativo Biophilia e uma sala de cinema onde o público confere diversos clipes da carreira da artista feitos por gênios do videoclipe como Michel Gondry e Spike Jonze. A mostra, que estreou em Sydney (Austrália) em 2016 e já rodou o mundo, passando por Tóquio, Barcelona, Cidade do México, Londres, entre outras cidades, foi apresentada pela primeira vez no Brasil em São Paulo, onde esteve até 18 de agosto, e agora segue para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.

Segundo a própria artista escreve no programa da exposição: “[…] pareceu natural invadir o circo particular que é a realidade virtual com um material como este: Vulnicura é o primeiro álbum meu que insistiu para que as músicas seguissem uma ordem cronológica. Depois que elas foram escritas, ficou claro que eu involuntariamente tinha esbarrado na narrativa de uma tragédia grega. A realidade virtual não é apenas uma continuidade natural do videoclipe, mas tem um potencial dramatúrgico ainda mais íntimo, ideal para esta jornada emocional”.

Quando Raimo Benedetti, artista e pesquisador, professor do curso “O Pré-Cinema e o YouTube”, conta sobre os Panoramas, começa nos dizendo que essas imensas estruturas são uma mídia morta, mas que a vontade de viver uma narrativa imersiva ainda é forte no imaginário das pessoas. E então, somos levados a entender como as sensações provocadas pela imersão da realidade virtual ou da realidade aumentada seguem confundindo nossos horizontes e percepções.

Imagens que pulam aos nossos olhos, nos envolvem e nos fazem sentir transportados para outro lugar. Assim eram os Panoramas, imagens gigantescas, que envolviam e deixaram boquiabertas as pessoas no final do século XIX. Hoje, a realidade virtual faz conosco a mesma coisa. Ficamos muitas vezes perdidos em um “labirinto confuso”, às vezes enjoados, mas sempre admirados.

Assim como nossos antepassados desbravadores e experimentadores, Björk testa, experimenta, propõe. A mostra é dividida em seis áreas compostas por realidade virtual e elementos audiovisuais imersivos que demandam a interação dos visitantes. Em muitos momentos, a tecnologia ainda deixa a desejar, como no caso do peso dos óculos, que depois de um tempo começam a incomodar.

björk: stonemilker (360 degree virtual reality)

Na primeira parte da exposição, cada grupo de visitantes entra em salas com bancos e óculos de realidade virtual para assistir sentados aos clipes. O primeiro deles é Stonemilker (em português, “Alguém que tira leite de pedra”), que a artista fez meses antes de sua separação, com apenas uma paisagem de praia e a atuação de Björk se movendo entre as cenas. Existe uma versão em 360º disponível no YouTube, mas a sensação gerada pela realidade virtual é mais intensa e bem interessante.

björk: black lake

O segundo vídeo vai na mesma frequência apresentando o clipe de Black Lake, filmado em locação na Islândia pelo premiado diretor Andrew Thomas Huang. O filme, que estreou em 2015, tem dez minutos de duração e foi encomendado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York em. O clipe, feito meses após a separação da cantora, é muito melancólico, refletindo ideias de dor, perecimento e renascimento.

Em uma terceira sala, dois vídeos são rodados na sequência. O primeiro é o clipe da música “Quicksand”, dirigido por Warren Du Preez & Nick Thornton Jones, uma viagem psicodélica, cheia de cores e poesia.

bjork: mouth mantra

O segundo clipe, “Mouth Mantra”, é uma viagem surreal dentro (literalmente) da boca da cantora, que Björk fez quando precisou de uma cirurgia na garganta, e foi dirigido por Jesse Kanda. Fazendo um paralelo com o Cinema das atrações, não existe aqui uma narrativa. As imagens em si não são lineares, mas imersivas e provocadoras de sensações.

bjork: family

A experiência interativa segue para uma sala com mais dois vídeos em sequência, agora de pé. Para “Family”, o visitante é equipado com controles remotos que, com os óculos de RV se transformam em mãos. Apertando os botões, os controles tremem e seus braços virtuais passam a se mover e serem rodeados por fios que saem de uma grande vulva.

bjork: notget

Em seguida entra “Notget”, dirigido por Warren Du Preez & Nick Thornton Jones, uma Björk gigante dança rodeada de luzes e chega a atravessar seu corpo.

No MIS, em São Paulo, o segundo andar da exposição foi dividido em duas salas: Biophilia e Cinema. A primeira trazia uma área educativa baseada no álbum Biophilia (2011), com tablets permitindo a composição de músicas e a exploração da relação entre o mundo natural e a tecnologia. A segunda sala apresentava dezenas de clipes da carreira da artista remasterizados em alta definição, como Armyof Me (Michel Gondry), It’s Oh So Quiet (Spike Jonze) eAll Is Full of Love (Chris Cunningham), incluindo o seu videoclipe mais recente Tabula Rasa (Tobias Gremmler).

**Vulnicura videos – LISTA

Imagem de destaque retirada do site oficial da exposição Björk Digital no MIS
Créditos: Avatar Family VR | Imagem: Andrew Thomas Huang

#escolasaopaulo #descubra #reinvente #viva

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GLAUBER, O CINEASTA PENSADOR

Contestador e revolucionário, Glauber Rocha é uma das figuras mais emblemáticas do cinema nacional. Integrante do Cinema Novo, importante movimento da década de 1960 que ia de encontro às produções de Hollywood e pautava-se em temas políticos e sociais, ele buscava retratar em seus filmes o espírito de seu tempo e criar um cinema com estética genuinamente brasileira. Nascido em Vitória da Conquista, na Bahia, em 1939, foi em Salvador que Glauber, adolescente, teve seu primeiro contato com o cinema, por meio do Clube de Cinema da Bahia no qual ele assistia a filmes do neorrealismo da Itália e clássicos do cinema mundial.  

Com o lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e a proposta de fazer um cinema autoral, ele criou a chamada “estética da fome”, uma adequação da linguagem cinematográfica à escassez de recursos no Brasil. “É uma estética que rompe de forma bem nítida com a tradição do cinema clássico e sua linguagem, as regras de montagem, de composição dos planos, de encenação. Tudo isso para montar um cinema dentro de condições precárias de produção”, explica Ismail Xavier, teórico de cinema e professor emérito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Nexo. “Isso leva a uma diferente noção de montagem que passa a incluir a ideia de descontinuidade, uma forma mais agressiva de compor a cena, uma forma completamente distinta de dirigir os atores, dando maior espaço para o improviso, para relações tensas entre câmera e ator e construindo toda uma dramaturgia”, completa.   

Por conta das características experimentais e inovadoras, suas obras são, até hoje, lidas por algumas pessoas como difíceis e complexas. “Esse tipo de experimentação fez do cinema dele algo sofisticado e que, ao mesmo tempo, traduz nas imagens e nos sons a visceralidade, a brutalidade que caracteriza a violência colonial da qual nasceu o Brasil. Ele queria produzir a violência esteticamente, sem fazer dela um espetáculo à la Hollywood”, analisa Jair Fonseca, professor de Literatura e Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina, em entrevista ao DW. Ao longo de sua carreira, Glauber dirigiu nove longa-metragens, alguns premiados em importantes festivais da Europa, como o de Cannes. 

Dentre suas obras mais famosas estão Terra em Transe (que retrata a instabilidade política do país na época e que completou 50 anos em 2017)Deus e o Diabo na Terra do Sol (que tem o sertão como cenário, explora a cultura do Nordeste e mistura linguagens como teatro e ópera) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiroprodução que tem fãs famosos, como o cineasta italo-americano Martin Scorsese (os dois diretores eram amigos). “É o filme que eu vivo revendo e continuo mostrando às pessoas, se eu acho que elas merecem (risos). Às vezes, elas não merecem, pois certas pessoas são como zumbis, não têm sentimentos ou coisa parecida. Eu não sei, acho que é bom mostrá-lo para as pessoas que possam ser ajudadas no seu trabalho. Mesmo até se elas rejeitarem o filme, pois já é algum tipo de reação. Melhor do que vem sendo apresentado ultimamente. Eu fico indo e voltando com ‘O Dragão’ e a música não sai da minha cabeça e além do mais, eu o conheço de ponta a ponta”, disse o diretor em entrevista à Folha de S.Paulo.  

Mais do que uma revolução estética e autoral, Glauber buscou retratar em seus filmes as inquietudes do Brasil (e da América Latina) de sua época e utilizar o cinema como plataforma para questionar problemas políticos e sociais e propor mudanças. “A obra do Glauber foi talvez a que estabeleceu o padrão de exigência mais alto na conjugação entre experimentação estética radical, esforço de pensar os impasses da experiência social brasileira e de intervir também no debate político do seu tempo. Nessa conjugação, nenhuma obra de cinema no Brasil foi tão longe”, analisa Mateus Araújo, professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Nexo.  

“Eu não faço um cinema convencional. Quer dizer, o meu tipo de filme é uma coisa que sai .… de um outro espaço, e não obedece muito as leis da dramaturgia convencional, de modo que as pessoas ficam chocadas”, declarou Glauber, certa vez. Sua produção, contudo, não ficou datada e segue hoje mais atual e oportuna do que nunca. O cineasta faleceu em 1981, aos 42 anos, no Rio de Janeiro.