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O FUTURO É FEMININO

Por Sabina Deweik

O nome deste post faz referência a uma campanha de conscientização a respeito dos direitos das mulheres que vem tomando força no mundo todo. Elas reivindicam a correção de atrasos sociais, institucionais e constitucionais, a fim de finalmente alcançar uma sociedade equitária em oportunidades para homens e mulheres. Mas a campanha também nos leva a refletir a respeito de quais valores queremos imprimir no mundo, afinal o ser feminino está vinculado à diversas questões cotidianas que, se valorizadas, caminharemos para uma nova sociedade com novas perspectivas.

O PASSADO É MASCULINO

Há muitos anos a humanidade está vivendo uma era de valores masculinos. Em todas as esferas de nossa vida aprendemos a competitividade, o individualismo, a ação, o foco em resultados, os resultados a qualquer custo, a racionalidade. Esta forma de viver e enxergar o mundo e as coisas está dando espaço à emocionalidade, à colaboração, à intuição, ao cuidado, à empatia — valores esses ligados ao feminino. E aqui não entra em questão o gênero masculino ou feminino, mas de uma forma de ser, viver, trabalhar e perceber o nosso entorno de maneira distinta.

Se pensarmos no mundo do trabalho, fica fácil entender o quanto nos movemos até agora segundo padrões do masculino. No mundo organizacional, por exemplo, as habilidades até então requisitadas em um colaborador eram sua capacidade analítica e seu poder de gerar números e resultados. Até mesmo a competição foi super- valorizada. A mentalidade era: tenho que ser melhor que meu colega porque posso não receber a tão desejada promoção. Ou ainda: Se ele/ela se der bem eu não vou me dar bem.

FALHAMOS. E AGORA?

Aprendemos inúmeros valores herdados da Revolução Industrial. Adam Smith, em 1776, escreveu em A Riqueza das Nações: “Individualismo é Bom para toda a sociedade” ou “O consumo é a única finalidade e o único propósito de toda produção”. Esse modelo foi incorporado por nós como a única lógica vigente. Um modelo social e econômico impondo sucesso como uma forma para atingir a felicidade ou ainda a ideia de que mais é melhor. Um modelo no qual o fazer sozinho, o não compartilhar fazem parte da lógica. Um modelo que nos distanciou das emoções, da consciência, do sentido maior. O resultado: uma população com altos índices de depressão, suicídio, burn out, estresse, ansiedade.

De acordo com uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão será até 2020, o maior motivo de afastamento do trabalho no mundo. No Brasil, cerca de 5,8% da população tem a doença, o que faz do país o campeão de casos na América Latina. Os índices demonstram que algo neste sistema está falhando. O aumento de bens de consumo e produtividade não é proporcional ao aumento de felicidade e bem-estar.

NOVOS VALORES EMERGENTES

Mas a boa notícia é que a antiga lógica está começando a ser revisitada, dando lugar a uma série de valores emergentes que apontam a bússola para outra direção. Se pensarmos nos modelos de negócios mais inovadores de hoje, desde Spotify, Netflix, Waze, Google, Airbnb, Uber e outros, há sempre a lógica do compartilhar, de gerar experiência para o usuário, de democratizar o uso e levar a um número cada vez maior de pessoas a se beneficiar do serviço/produto. Sem falar que nenhum deles trabalha com um bem físico, nem possui nada. Essa é uma mudança de mentalidade importante. Passar da posse ao acesso. Vamos desfazendo a necessidade de pagar pela propriedade de algo para ter a experiência com algo.

Segundo Jeremy Rifkin em seu livro A Era do Acesso, “A transformação do capitalismo industrial para cultural está desafiando muitas de nossas suposições básicas sobre o que constitui a sociedade humana. As antigas instituições fundadas nas relações com propriedade, nas trocas de mercado e no acúmulo de bens materiais estão sendo arrancadas lentamente para dar lugar a uma era em que a cultura se torna o recurso comercial mais importante, o tempo e a atenção se tornam a posse mais valiosa e a própria vida de cada indivíduo se torna o melhor mercado”.

UM NOVO SER HUMANO

Esse tipo de relação está dando lugar a um ser humano diferente, com um novo significado do ser, em detrimento do ter. Essa prerrogativa está sendo impulsionada pelas novas gerações, principalmente a geração Y, nascida entre fins dos anos 70 e início dos anos 90, e a geração Z, nascidos entre o fim de 1992 a 2010. Esses jovens começaram a trazer à tona o conceito de propósito no trabalho. Para eles, assim como para a geração Z, o “fazer” precisa fazer sentido.

Quando nos perguntamos pelo sentido das coisas, estamos acessando uma maior consciência. Depois de muito tempo de resultados, de racionalidade, de ação, passamos a dar espaço para nossas emoções, dentro e fora do mundo corporativo. Nos permitimos, por exemplo, falar de empatia no mundo do trabalho.

O MASCULINO RESSIGNIFICADO

O masculino também está sendo ressignificado e hoje sua única função não é prover, mas cuidar, exercer outros papéis. Esses papéis ainda não estão consolidados, mas aos poucos sendo discutidos em inúmeras instâncias. No universo do consumo, as marcas já estão incorporando esses novos conceitos. A Axe por exemplo, por mais de uma década, realizava campanhas nas quais as mulheres perdiam a cabeça e controlavam seus impulsos sexuais quando confrontadas com as fragrâncias da marca. Mas há dois anos, a estratégia é outra. Desmascarando estereótipos e com mais inclusão, a marca retratou homens usando sua confiança e sabedoria, não necessariamente as fragrâncias, para conquistar mulheres.

UMA ERA MAIS FEMININA

A busca pelo conhecimento, a valorização do silêncio, da natureza, a valorização de técnicas de colaboração, de autoconhecimento como CNV (Comunicação Não Violenta), Mindfulness, Yoga ou o crescimento do coaching como ferramenta de desenvolvimento humano apontam para o mesmo lugar: a emergência de uma era mais feminina. O livro Liderança Shakti dos indianos Nilima Bhat, criadora dessa filosofia, e Raj Sisodia, líder do movimento “Capitalismo Consciente”, fala desta transição de paradigma:

“Tanto os homens quanto as mulheres foram condicionados a valorizar características de liderança que tradicionalmente são consideradas masculinas: hierárquica, individualista e militar”, dizem eles. “Nós reanimamos um arquétipo feminino de liderança: regenerador, cooperativo, criativo e empático”, acrescentam os autores.

No curso Os Novos Paradigmas do Futuro e as Tendências Emergentes da Escola São Paulo, exponho detalhes desta e de muitas outras novas formas de se comportar e de ser em sociedade. Nesse conteúdo, explico e faço análises de cases e movimentos de transformação, mostrando os prováveis próximos passos das pessoas, do mercado e das relações estabelecidas por eles.

POR QUE O FEMININO?

O feminino é circular, emocional, intuitivo, colaborativo, empático, compassivo, flexível, adaptável, acolhedor, solidário, multidisciplinar. O feminino permite um encontro genuíno com o eu, com a consciência de si, do outro, do mundo. Independente de gênero, o que o mundo precisa é trazer esses valores do feminino para todas as esferas e domínios da vida. Reconhecer o feminino em si, é reconhecer nossos valores mais humanos. É um antídoto para muitos anos de desconexão e não consciência.

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O QUE TE FAZ FELIZ?

“Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente”, disse o escritor Érico Veríssimo. Já o compositor popular Odair José decretou na canção A Noite Mais Linda do Mundo: “felicidade não existe. O que existe na vida são momentos felizes.” Independentemente da linha de pensamento, é fato que a busca pela felicidade sempre foi uma constante na história da humanidade. Dentro do mundo capitalista, essa busca foi automaticamente associada com a aquisição de bens materiais (roupas, aparelhos eletrônicos, carros, imóveis), intervenções estéticas e, claro, a procura constante por mais e mais dinheiro. Não é preciso dizer que com o tempo o modelo se mostrou equivocado para este fim.  

Em 2008, o Butão, um país de 750 mil habitantes, localizado entre a China e a Índia, tornou-se assunto em todo o mundo ao divulgar a implementação de uma nova medida que se propunha a aferir a felicidade de seus habitantes. Batizada de Felicidade Interna Bruta (FIB) ou GNH (Gross National Happiness), a ideia surgiu após uma declaração do rei Jigme Singye Wangchuck, na década de 1970. Questionado por um jornalista a respeito do baixo desenvolvimento do seu país e a total dependência econômica da Índia, o monarca respondeu que o progresso do Butão não deveria ser medido em consumo e riquezas, ou pelo Produto Interno Bruto (PIB), mas pela felicidade da sua população.  Apesar de ser considerado um país “não desenvolvido” pela Organização das Nações Unidas (ONU) (entre as razões para esta classificação estão o fato de metade da sua população adulta ser analfabeta e o salário mínimo girar em torno de US$ 100), o Butão figura entre as dez nações mais felizes do mundo, com baixos índices de violência e fome zero. “A filosofia da FIB é a convicção de que o objetivo da vida não pode ser limitado a produção e consumo seguidos de mais produção e mais consumo, de que as necessidades humanas são mais do que materiais”, explica Thakur S. Powdyel, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Educacional da Universidade Real do Butão, em entrevista à revista Superinteressante.  

A medida é baseada em quatro pilares: 1) desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo, 2) conservação ambiental, 3) preservação e promoção do patrimônio cultural e 4) boa governança. Além disso, conta com nove domínios e diversos indicadores que avaliam questões como quantas vezes na semana a pessoa teve sentimentos positivos, como compaixão e perdão, ou negativos como inveja e raiva. Apesar de ter sido implementado oficialmente no país apenas em 2008, o FIB norteia todas as políticas públicas do país há quatro décadas e foi se aprimorando ao longo dos anos.  

Para Kalinka Susin, brasileira que atua no país como professora no Royal Thimphu College, a felicidade da população do Butão tem mais relação com a cultura do país do que com as ações propostas pelo FIB. “São os valores budistas de colaboração, de convivência em comunidade. O coletivo vale mais do que o individual. O butanês tem uma relação com a família estendida. A família butanesa não é nuclear, nunca foi, não é pai, mãe e filhos. Os filhos são criados por membros próximos que podem criá-los. Os homens migravam para fazer a colheita: a mulher é a terra e o homem era mais migrante. Os filhos eram criados pelas mulheres da comunidade. O butanês tem uma noção de irmandade que vem do budismo, ele valoriza muito a família e a ecologia à qual ele pertence”, explica, em entrevista ao portal G1.  Até 2005, o ensino sobre o FIB era realizado apenas nos templos budistas e nos centros comunitários. A partir daquele ano, o governo criou o projeto 2020 do FIB que tem como meta fazer com que toda a sociedade butanesa internalize os conceitos da Felicidade Interna Bruta. Isso porque, em 2015, relatórios oficiais registraram um aumento de pessoas infelizes no país, em comparação com os dados de 2010. O resultado tem ligação com o aumento da migração do campo para cidade e os impactos da globalização. “A pressão materialista mundial é tamanha que, se não educarmos nossos cidadãos desde a infância sobre o assunto, não conseguiremos perpetuar nosso maior bem social que é a felicidade”, reflete o monge Khenpo Phuntsok Tashi, diretor do Museu Nacional do Butão, em reportagem do Projeto Draft.  

A FELICIDADE ESTÁ NO EQUILÍBRIO 
Recentemente, a ONU passou a adotar o FIB como um de seus indicadores para medir o desenvolvimento de uma nação. “Ela considera o bem-estar psicológico, que inclui questões como autoestima e estresse; políticas de saúde e hábitos que prejudicam ou melhoram a saúde; o uso do tempo, incluindo tempo para lazer e para a família; a vitalidade comunitária, ou seja, o nível de interação com a sociedade em geral; a educação, a cultura e as oportunidades de desenvolver atividades artísticas; o meio ambiente, ou seja, a percepção da população em relação à qualidade da água e do ar, bem como o acesso a áreas verdes; a governança; a representatividade social em órgãos públicos; e, por último, o padrão de vida, a renda familiar e a qualidade de moradia”, explica Emanuele Seicenti de Brito, professora Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, em entrevista à Rádio USP.
As ideias por trás do FIP estão reverberando no ocidente de diversas maneiras. No início deste ano, economistas apresentaram durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, uma alternativa ao PIB. Batizado de Índice de Desenvolvimento Inclusivo (IDI), o novo indicador econômico leva em consideração 11 aspectos econômicos agrupados em três pilares: crescimento, desenvolvimento e inclusão. Além disso, muitas empresas passaram a utilizar o FIP (com adaptações) como uma possibilidade de criar ambientes mais humanizados e felizes para os seus colaboradores priorizando, por exemplo, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. “No FIB, o emprego é visto como uma entre muitas atividades produtivas, incluindo ser pai e mãe.”, explica o médico Michael Pennock, consultor da ONU para internacionalização do indicador, em entrevista à revista Época.  

Karma Dasho Ura, coordenador das pesquisas do FIB no Butão, destaca que outra questão revista a partir do indicador é a jornada de trabalho. “Seis horas de trabalho energético são suficientes. O resto do dia deveria ser liberado para lazer cultural, socialização, atividade física”, afirma, também em entrevista à Época. “Gente infeliz não projeta nada novo”, acrescenta. “É interessante as empresas pensarem da forma reversa: não produzir mais para ser feliz, mas sim ser feliz para produzir mais. Colocar a felicidade em primeiro lugar”, complementa a professora da USP Emanuele Seicenti de Brito.