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O QUE TE FAZ FELIZ?

“Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente”, disse o escritor Érico Veríssimo. Já o compositor popular Odair José decretou na canção A Noite Mais Linda do Mundo: “felicidade não existe. O que existe na vida são momentos felizes.” Independentemente da linha de pensamento, é fato que a busca pela felicidade sempre foi uma constante na história da humanidade. Dentro do mundo capitalista, essa busca foi automaticamente associada com a aquisição de bens materiais (roupas, aparelhos eletrônicos, carros, imóveis), intervenções estéticas e, claro, a procura constante por mais e mais dinheiro. Não é preciso dizer que com o tempo o modelo se mostrou equivocado para este fim.  

Em 2008, o Butão, um país de 750 mil habitantes, localizado entre a China e a Índia, tornou-se assunto em todo o mundo ao divulgar a implementação de uma nova medida que se propunha a aferir a felicidade de seus habitantes. Batizada de Felicidade Interna Bruta (FIB) ou GNH (Gross National Happiness), a ideia surgiu após uma declaração do rei Jigme Singye Wangchuck, na década de 1970. Questionado por um jornalista a respeito do baixo desenvolvimento do seu país e a total dependência econômica da Índia, o monarca respondeu que o progresso do Butão não deveria ser medido em consumo e riquezas, ou pelo Produto Interno Bruto (PIB), mas pela felicidade da sua população.  Apesar de ser considerado um país “não desenvolvido” pela Organização das Nações Unidas (ONU) (entre as razões para esta classificação estão o fato de metade da sua população adulta ser analfabeta e o salário mínimo girar em torno de US$ 100), o Butão figura entre as dez nações mais felizes do mundo, com baixos índices de violência e fome zero. “A filosofia da FIB é a convicção de que o objetivo da vida não pode ser limitado a produção e consumo seguidos de mais produção e mais consumo, de que as necessidades humanas são mais do que materiais”, explica Thakur S. Powdyel, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Educacional da Universidade Real do Butão, em entrevista à revista Superinteressante.  

A medida é baseada em quatro pilares: 1) desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo, 2) conservação ambiental, 3) preservação e promoção do patrimônio cultural e 4) boa governança. Além disso, conta com nove domínios e diversos indicadores que avaliam questões como quantas vezes na semana a pessoa teve sentimentos positivos, como compaixão e perdão, ou negativos como inveja e raiva. Apesar de ter sido implementado oficialmente no país apenas em 2008, o FIB norteia todas as políticas públicas do país há quatro décadas e foi se aprimorando ao longo dos anos.  

Para Kalinka Susin, brasileira que atua no país como professora no Royal Thimphu College, a felicidade da população do Butão tem mais relação com a cultura do país do que com as ações propostas pelo FIB. “São os valores budistas de colaboração, de convivência em comunidade. O coletivo vale mais do que o individual. O butanês tem uma relação com a família estendida. A família butanesa não é nuclear, nunca foi, não é pai, mãe e filhos. Os filhos são criados por membros próximos que podem criá-los. Os homens migravam para fazer a colheita: a mulher é a terra e o homem era mais migrante. Os filhos eram criados pelas mulheres da comunidade. O butanês tem uma noção de irmandade que vem do budismo, ele valoriza muito a família e a ecologia à qual ele pertence”, explica, em entrevista ao portal G1.  Até 2005, o ensino sobre o FIB era realizado apenas nos templos budistas e nos centros comunitários. A partir daquele ano, o governo criou o projeto 2020 do FIB que tem como meta fazer com que toda a sociedade butanesa internalize os conceitos da Felicidade Interna Bruta. Isso porque, em 2015, relatórios oficiais registraram um aumento de pessoas infelizes no país, em comparação com os dados de 2010. O resultado tem ligação com o aumento da migração do campo para cidade e os impactos da globalização. “A pressão materialista mundial é tamanha que, se não educarmos nossos cidadãos desde a infância sobre o assunto, não conseguiremos perpetuar nosso maior bem social que é a felicidade”, reflete o monge Khenpo Phuntsok Tashi, diretor do Museu Nacional do Butão, em reportagem do Projeto Draft.  

A FELICIDADE ESTÁ NO EQUILÍBRIO 
Recentemente, a ONU passou a adotar o FIB como um de seus indicadores para medir o desenvolvimento de uma nação. “Ela considera o bem-estar psicológico, que inclui questões como autoestima e estresse; políticas de saúde e hábitos que prejudicam ou melhoram a saúde; o uso do tempo, incluindo tempo para lazer e para a família; a vitalidade comunitária, ou seja, o nível de interação com a sociedade em geral; a educação, a cultura e as oportunidades de desenvolver atividades artísticas; o meio ambiente, ou seja, a percepção da população em relação à qualidade da água e do ar, bem como o acesso a áreas verdes; a governança; a representatividade social em órgãos públicos; e, por último, o padrão de vida, a renda familiar e a qualidade de moradia”, explica Emanuele Seicenti de Brito, professora Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, em entrevista à Rádio USP.
As ideias por trás do FIP estão reverberando no ocidente de diversas maneiras. No início deste ano, economistas apresentaram durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, uma alternativa ao PIB. Batizado de Índice de Desenvolvimento Inclusivo (IDI), o novo indicador econômico leva em consideração 11 aspectos econômicos agrupados em três pilares: crescimento, desenvolvimento e inclusão. Além disso, muitas empresas passaram a utilizar o FIP (com adaptações) como uma possibilidade de criar ambientes mais humanizados e felizes para os seus colaboradores priorizando, por exemplo, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. “No FIB, o emprego é visto como uma entre muitas atividades produtivas, incluindo ser pai e mãe.”, explica o médico Michael Pennock, consultor da ONU para internacionalização do indicador, em entrevista à revista Época.  

Karma Dasho Ura, coordenador das pesquisas do FIB no Butão, destaca que outra questão revista a partir do indicador é a jornada de trabalho. “Seis horas de trabalho energético são suficientes. O resto do dia deveria ser liberado para lazer cultural, socialização, atividade física”, afirma, também em entrevista à Época. “Gente infeliz não projeta nada novo”, acrescenta. “É interessante as empresas pensarem da forma reversa: não produzir mais para ser feliz, mas sim ser feliz para produzir mais. Colocar a felicidade em primeiro lugar”, complementa a professora da USP Emanuele Seicenti de Brito.

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O FUTURO DAS PROFISSÕES: ESTAMOS PREPARADOS?

Vamos ser substituídos por robôs? Você possivelmente já fez esta pergunta ou a debateu em alguma roda de conversa. Afinal, nas últimas duas décadas, vivenciamos um período de transformações tecnológicas extremamente impactante. No campo do mercado de trabalho, a tecnologia melhorou estruturas e agilizou processos, mas também  colocou em dúvida a necessidade de muitas profissões em um futuro próximo. “As profissões não são imutáveis. Elas são um artefato que construímos para atender a um determinado conjunto de necessidades em uma sociedade industrial baseada em impressão”, explicam os pesquisadores Richard Susskind e Daniel Susskind. Autores do livro O Futuro das Profissões: Como a tecnologia vai transformar o trabalho de especialistas humanos, lançado em 2015, eles acreditam que, conforme avançarmos como sociedade tecnológica, muitos trabalhos serão extintos por não atenderem às demandas do novo modelo do mercado.  

Segundo estimativa do DaVinci Instituteconsultoria dedicada a pesquisas sobre o futuro, 2 bilhões de postos de trabalho desaparecerão até 2030. Já um levantamento da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) aponta que 48% dos trabalhadores dos EUA serão substituídos por máquinas até 2027 – na Alemanha serão 35% e no Japão 21%. O relatório The Future of Jobs and Skills (O Futuro do Trabalho e das Habilidades), publicado em 2016 pelo Fórum Econômico Mundial, aposta que inteligência artificial, robótica, nanotecnologia e impressão 3D serão algumas das áreas que movimentarão o mercado do futuro. Já funções de apoio à gestão e trabalho operacional tendem a ser eliminadas total ou parcialmente. “Profissões que são muito repetitivas obviamente serão substituídas por softwares. E as que são por natureza muito humana, como serviços de cuidadores e de atendimento, tendem a ter seus valores pressionados para baixo em razão da robotização, por exemplo”, analisa Arthur Igreja, especialista da multiplataforma AAA, em entrevista ao IDGNow.

Richard e Daniel Susskind destacam que, apesar da extinção de muitos trabalhos, outras profissões serão criadas. Em sua palestra no Fórum Econômico Mundial, em 2017, Jeff Weiner, CEO do LinkedIn, destacou que 2 milhões de novos trabalhos deverão ser criados nos próximos quatro anos dentro dessa dinâmica. De acordo com uma pesquisa da consultoria McKinsey, para cada posto de trabalho eliminado pelo avanço da tecnologia, 2,4 novos serão criados, especialmente em startups. Envoltos em um cenário tão complexo e em rápida transformação, fica a dúvida: estamos preparados para este futuro já tão presente? A resposta é sim se entendermos que o novo mercado vai priorizar profissionais mais focados em desenvolver sua vida profissional como um todo do que em constituir carreira. Para entender melhor isso, precisamos fazer uma breve análise histórica da relação do homem com o trabalho nos últimos dois séculos.   

O TRABALHO ONTEM, HOJE E AMANHÃ
Há 50 anos, o objetivo de qualquer profissional era conquistar um emprego fixo e estável. Naquela época, entrava-se jovem em uma empresa e de lá só saia aposentado, em geral na mesma função. Na década de 1990, a geração X entra em cena e muda as regras do jogo. O objetivo profissional passa a ser criar currículo, mudar de cargo, ganhar mais dinheiro. Neste ponto, experiência vale muito e trocar de empresas durante a vida profissional é uma opção viável e eficaz. 

Após este período, mudanças econômicas e, principalmente, avanços tecnológicos reconfiguraram o mercado de trabalho e obrigaram empresas e profissionais a se reinventarem. É o começo da chamada era da freelancer economy, ou economia sob demanda, que vivenciamos nos dias de hoje, em que profissionais assumem o controle da própria carreira e se reinventam constantemente não apenas para atender a uma demanda de mercado, mas também em busca de uma realização pessoal. 
No futuro, a tendência, de acordo com os pesquisadores, é que deixaremos de enxergar o trabalho em termos de profissões, como médicos e advogados, por exemplo, e passaremos a entendê-lo como tarefas. Em um mundo cada vez mais tecnológico e digital, serão analisadas quais tarefas podem ser desempenhadas por máquinas, quais só podem ser feitas por seres humanos e quais podem ser feitas em conjunto, homens e máquinas (robôs ajudando médicos em cirurgias, por exemplo, algo que já é uma realidade).  

Para os especialistas, terão espaço neste novo contexto de mercado os profissionais flexíveis, criativos, críticos, empáticos, dispostos a mudar, aptos a desempenhar múltiplas tarefas e, principalmente, preparados para solucionar problemas. Habilidades que não são necessariamente adquiridas em cursos de especialização, mas que estão incutidas em cada um de nós e se desenvolvem no decorrer da vida. “Em um mundo onde o conhecimento está crescendo em velocidade exponencial, vão dar certo as pessoas que tratarem as suas profissões como grandes oportunidades aceleradas de aprendizado na teoria e na prática. Como processos de tentar, errar e aprender dinamicamente, no tempo dos acontecimentos”, analisa o cientista Silvio Meira, um dos mais importantes nomes do país ligados à inovação e ao empreendedorismo. É até irônico pensar que, em um mercado cada vez mais tecnológico, a capacidade humana (e singular) tende a ser o grande diferencial do futuro. Viva a nossa humanidade!