Em 2012, inspirado pelo livro O banqueiro dos pobres, do economista Muhammad Yunus (criador do termo Negócios Sociais), o jovem Thiago Vinícius criou o Banco Comunitário União Sampaio, no Capão Redondo, bairro onde mora na periferia de São Paulo. O capital de giro inicial foi de R$ 20 mil, captados via crowdfunding. A iniciativa funciona com duas carteiras, uma produtiva e outra para consumo. A primeira opera em reais, com juros de até 2%, e segunda com o Sampaio, moeda criada pela instituição, sem juros, que é aceita por diversos estabelecimentos da zona sul paulistana. Desde sua criação, o banco já movimentou mais de R$ 1 milhão.
Presidente da Associação das Mulheres de Paraisópolis, na zona sul paulistana, Elizandra Cerqueira criou o Bistrô & Café Mãos de Marias, iniciativa que, desde 2017, oferece cursos de capacitação e empreendedorismo para mulheres do bairro. Além disso, mantém uma horta orgânica de onde as cozinheiras tiram os ingredientes para fazer os pratos vendidos no espaço (o cardápio é composto por iguarias da culinária nacional, como virado à paulista, feijoada, bobó de camarão e moqueca de peixe, entre outros). O Bistrô tem o objetivo de apoiar as mulheres de Paraisópolis – atualmente, elas representam 53% da população local e chefiam 20% das famílias do bairro.
Thiago e Elizandra integram o grupo de quase 18 milhões de empreendedores das classes C, D e E que movimentam mais de R$ 228 bilhões por ano no país, segundo o Instituto Locomotiva e o Data Favela. Segundo levantamento da consultoria Data Popular, na última década, os negócios movimentados entre os 12,5 milhões de moradores de favelas geraram R$ 68,5 bilhões de renda anual. Um mercado cada vez mais forte e diverso que tem impactado diretamente os índices econômicos nacionais. “A periferia é a base da economia solidária”, afirma Thiago, em entrevista à revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios.
Apesar dos números expressivos, os empreendedores da periferia ainda sofrem preconceito do mercado e têm dificuldade para encontrar investidores que os auxiliem a colocar os seus projetos em prática. “Muitos acreditam que quem mora nas periferias não tem muito conhecimento. Não levam muita fé no nosso trabalho”, afirma Elizandra, em entrevista à Pequenas Empresas & Grandes Negócios.
Mesmo diante destes entraves, é cada vez maior o número de iniciativas em curso com o objetivo de auxiliar projetos empreendedores das periferias das grandes cidades brasileiras. A Artemisia é uma delas. Dentre os projetos já apoiados pela aceleradora de negócios de impacto social está a boutique Krioula, criada no Capão Redondo, em São Paulo, que vende turbantes, colares, anéis e brincos inspirados na cultura afro. “Queremos focar o nosso trabalho cada vez mais nas regiões periféricas porque potenciais não faltam”, afirma Priscila Martins, gerente de relacionamento institucional da Artemisia, em entrevista à revista Época Negócios.
O Fundo de Aceleração para o Desenvolvimento Vela (FA.VELA), de Belo Horizonte, Minas Gerais, é outro espaço que vem auxiliando empreendedores da periferia. Em entrevista ao jornal Brasil Econômico, o presidente e cofundador da iniciativa, João Souza afirma que, somente em fevereiro de 2017, 48 negócios foram gerados para garantir o crescimento e a sustentabilidade das iniciativas lideradas pelos 35 empreendedores periféricos. Atualmente, já foram acelerados 122 negócios e formados mais de 130 empreendedores. De acordo com o Fundo, 42% atuam na área de serviços, 40,3% em fabricação de alimentos/artesanato e 17,7% na área comercial. “A gente tenta fortalecer este perfil empreendedor do morador de periferia democratizando o acesso a conhecimentos e a ferramentas que o ajudam a modelar melhor esse negócio, esse projeto que ele quer tocar e pensar a médio e longo prazos”, explica Tatiana Silva, diretora de projetos do FA.VELA, em entrevista à TV Globo de Minas Gerais.
Retratar como moradores da periferia de São Paulo estão transformando a realidade de suas comunidades com iniciativas inovadoras em áreas como gastronomia, comunicação e moda é o principal objetivo do documentário Visionários da Quebrada. “Acreditamos nas mudanças estruturais vindas das margens, nos saberes das periferias e na potência das pessoas engajadas na construção de suas comunidades. É um convite para atravessarmos as pontes que já estão construídas”, explica, explica Ana Carolina, idealizadora e diretora do filme.
Em visita ao Brasil em 2019, Barack Obama causou furor e comoção, falando sobre diversidade de direitos e oportunidades.
“Se houver apenas homens que pensam da mesma forma, as lideranças acabam perdendo informações”, e aqui acrescentaríamos: se não ampliarmos nossos olhares estaremos todos perdendo grandes profissionais, empreendedores, criativos, desenvolvedores, desbravadores dessa nova economia que está nascendo.
“Se você entende como a economia funciona,
entende que quanto mais se investe em capital humano,
mais as economias vão crescer”
Barack Obama
Cada vez mais a periferia tem se mostrado um celeiro de empreendedores que, à frente de iniciativas criativas, potentes e lucrativas, estão mudando não apenas a própria vida como (e principalmente) a realidade de suas comunidades e do país. Essas histórias devem ser contadas, mostrando porque infelizmente, ainda ficamos presos a exemplos de pessoas brancas e bem sucedidas. Estamos atravessando pontes. Ainda bem.
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