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MUNDO EM TRANSIÇÃO

Por Sabina Deweik, professora da Escola São Paulo dos cursos de “Cool Hunting” e “Os Novos Paradigmas do Futuro e as Tendências Emergentes” 

O mundo está vivendo um grande período de transição no qual antigos valores e estruturas já não dão mais conta do fluxo da vida. Nas famílias, nos indivíduos, na política, nas empresas e organizações, no significado do que é ter sucesso nos dias de hoje, tudo vêm sendo questionado e desconstruído. “Estamos em um estado de interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai substituir isso. As certezas foram abolidas”, diz o sociólogo Zygmunt Bauman. 

O QUE HERDAMOS 

Nós herdamos um modelo da Revolução Industrial. Um modelo que primou pelo individualismo, pela produção em massa, pelo avanço a qualquer custo do homem sobre a natureza. De lá para cá, a ideia de competitividade, resultado, foco e individualidade só se intensificou. Desde então, a relação das pessoas com o ato de consumir vem se intensificando exponencialmente bem como a ideia de que trabalhar e ser feliz são departamentos distintos. O homem chegou a acreditar no lema “você é o que você consome”. Status, ostentação visibilidade, marca, imagem, principalmente a partir da década de 80 passaram as ser valores vigentes. 

Diante de tais fatos, bem como a grande crise social, econômica e ambiental que vivemos, passando pelo problema dos refugiados, terrorismo, o aparecimento das chamadas doenças modernas como síndrome do pânico, ansiedade e distúrbios alimentares, às grandes mudanças climáticas advindas da poluição, destruição de habitats, superpopulação humana, sobre-exploração dos recursos naturais — o homem começa a se dar conta que algo está ruindo neste sistema. 

NOVA DIREÇÃO 

Alguns indícios apontam para essa nova direção. O empreendedorismo, por exemplo sofreu um boom nos últimos anos, a palavra startup se popularizou e o número de pessoas empreendendo por oportunidade é cada vez maior. ARevolução Digital que se iniciou com a popularização da internet, e as revoluções pós digitais que caracterizam o momento presente e os anos subsequentes começaram a modificar radicalmente não só nossa relação com as tecnologias, como também com trabalho, educação e até mesmo nossos valores mais intrínsecos. Podemos então prever transformações profundas em todos os sistemas que ancoram a economia e o mundo hoje. As redes sociais mudaram a forma como as pessoas protestam e a exigência de transparência. 

Por conta de novas gerações que nasceram na era digital, a educação como conhecemos hoje também está com os dias contados. O objetivo da educação não será ensinar coisas, porque as coisas já estão na internet, estão por todos os lugares, estão nos livros. A educação será um facilitador para ensinar a pensar e criar na criança essa curiosidade. Quanto ao modelo trabalho de 8 horas por dia dentro das empresas, este, também se tornará cada vez mais distante, dando lugar a novas dinâmicas de espaço e novas configurações de emprego.  

A LÓGICA É SE REINVENTAR 

Dentro dessa lógica, precisaremos nos reinventar todos os dias, reinventar nossas carreiras, e nossos modelos de negócio. O lucro, antes prioritariamente financeiro, passa a ser reavaliado por ângulos que ressignificam o conceito de sucesso. Alteram-se os critérios para o que seria uma pessoa ou um negócio bem-sucedido, colocando em pauta outras motivações compensatórias: realização de propósito, desenvolvimento pessoal, satisfação criativa. 

A diminuição do consumismo, a internet sendo utilizada para descentralizar o poder de empresas, governos e instituições, o movimento crescente de pessoas produzindo seus próprios bens ou comprando de pequenos produtores, a colaboração, o compartilhamento e o crescimento da indústria criativa são alguns dos paradigmas que tem sustentado a nova economia.  

Sem falar na emergência de uma nova consciência coletiva, desde o movimento biker, que faz crescer odesinteresse de um jovem por ter um carro, até a economia colaborativa com modelos de negócios como o Uber eAirbnb, além do crowdfunding, modelo que permite que ideias inovadoras sejam implementadas à partir de um financiamento coletivo ou até mesmo o surgimento de formas de trabalhar e viver coletivas como o co-working e o co-housing. 

Urge sabermos de onde vêm os alimentos que comemos, cresce o consumo de orgânicos, aparecem projetos de upcycling, na gastronomia fala-se de slow food, no consumo fala-se de lowsumerism (baixo consumo), o consumidor quer saber que o que consumimos respeita um ciclo sustentável e por isso cresce também o ato da compra como um ato social. É fundamental compreender os novos valores para entrar em sintonia com esse novo mundo 

OS MILLENIALS 

Vale dizer, que na década de 90, o advento da internet e das novas tecnologias impulsionou ainda mais a mudança comportamental. Nascia naquele momento uma nova geração, que presenciou de perto novidades do mundo digital nunca antes vistas até então. Nasciam os e-mails, as ferramentas de busca e, principalmente, a possibilidade de interação com outras pessoas sem sair de casa. Formava-se ali a chamada Geração Y, ou Millennials, uma geração mais autocentrada e egoísta, porém, de maneira antagônica, adepta por compartilhar informações pelas redes sociais. Rapidez, instantaneidade, flexibilidade e não linearidade de pensamento caracterizam este grupo, que passou a influenciar outras gerações com suas habilidades e sua vontade de trabalhar por projetos com propósito. Geração que está contestando o mundo corporativo e ressignificando o que é trabalho, família, sucesso, profissão, relações.  

O FUTURO DO TRABALHO 

Raymond Kurzweil, inventor, futurista e idealizador da Singularity University aponta que a evolução tecnológica acontece em um ritmo exponencial e uma vez que cada tecnologia serve de suporte para o desenvolvimento da próxima chegará o momento em que atravessaremos uma fronteira onde a velocidade do avanço tecnológico será maior do que a capacidade dos seres humanos de acompanhar a sua mudança.  

Estudos apontam que 40% das empresas não sobreviverão a Revolução Digital, o número de funcionários das empresas será cada vez menor e em 2030 existirá uma empresa para cada 10 pessoas. Vivemos um momento de transição e entender para onde o mundo está caminhando tornou-se premissa para continuar a caminhada. 

Na Escola São Paulo, ofereço um curso online chamado Os Novos Paradigmas do Futuro e as Tendências Emergentes, onde indico quais são esses movimentos que estão se efetivando ou ainda se efetivarão nas próximas décadas e como eles podem ser utilizados para que você trabalhe estrategicamente a sua criatividade de forma a colocá-la à serviço da inovação, o que, no mercado, é um diferencial competitivo. 

MINDFUL REVOLUTION 

Inicia-se uma nova revolução, batizada pela Revista Time como Mindful Revolution ou a revolução do auto-conhecimento. O ser humano começa a se voltar para a essência depois de muito tempo de exterioridade. Com a popularização de técnicas orientais milenares como yoga e meditação, a valorização do silêncio, a ideia de espiritualidade desassociada do esoterismo ou do misticismo, o digital detox e o fim da glamurização do workaholic, começamos a vislumbrar um futuro diferente. A mudança é radical. 

E você, como tem se conectado com essa transição? Quais são as mudanças necessárias para que encontre mais sentido na sua existência? Qual a verdadeira jóia da tua alma? 

#escolasaopaulo #descubra #reinvente #viva 

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BERGMAN, O CINEASTA DAS ANGÚSTIAS EXISTENCIAIS

“Eu quero que o público sinta os meus filmes. Isso é muito mais importante para mim do que compreendê-los.” Era dessa maneira que o diretor Ingmar Bergman encarava a sua produção cinematográfica, uma das mais importantes do século XX. Considerado uma das principais referências do drama existêncial no cinema mundial, o realizador sueco, que completaria 100 anos em 2018, criou filmes que discutem temas como repressão sexual, moral religiosa, relacionamentos em crise, autoritarismo nas relações familiares, solidão e o sentido da vida. Parece atual, não? 

Nascido em Uppsala, um dos principais centros religiosos da Suécia, Bergman era filho de um pastor luterano, Erik Bergman, a quem o diretor descrevia como um “monstro frio” amável na igreja, mas extremamente rígido em casa. Ele os dois irmãos cresceram em um ambiente familiar bastante rigoroso e conservador. “A maior parte de nossa educação era baseada em conceitos como pecado, confissão, castigo, perdão e misericórdia, fatores concretos nas relações entre pais e filhos e com Deus”, escreveu o cineasta na autobiografia Lanterna Mágica. Os tormentos da infância foram revisitados por Bergman no filme autobiográfico Fanny e Alexander, de 1982, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, fotografia e direção de arte e a produção estrangeira com maior número de Oscars da história, ao lado de O Tigre o Dragão, do diretor Ang Lee. 

A lanterna mágica da autobiografia faz referência a um cinematógrafo que o irmão mais velho dele ganhou de presente de Natal e pelo qual Bergman trocou sua coleção de soldadinhos de chumbo. É também considerado por ele o momento em que teve início o seu interesse pela sétima arte – isso e as sessões de cinema em que ia com a avó (sem o pai saber) na mesma época. No quarto, sozinho, o diretor posicionava o cinematógrafo, projetava sobre a parede imagens de diversos objetos e ali criava suas primeiras narrativas. “Sempre que desejo posso trazer de volta o cheiro do metal aquecido, os odores do remédio contra traças e da poeira do guarda-roupa, sinto a manivela na minha mão, o tremor do retângulo na parede”, declarou certa vez.  

Sua estreia no cinema acontece em 1944 como roteirista do filme A Tortura do Desejo. A carreira como diretor começa em 1947 com Um Barco para a Índia. Dez anos depois, ele alcança sucesso mundial com os filmes O Sétimo Selo (épico ambientado no período da Peste Negra no qual foi criado um dos planos mais memoráveis do cinema em que um cavaleiro medieval, interpretado por Max Von Sydow, joga xadrez com a morte) e Morangos Silvestres, um drama estrelado por Victor Sjöström, considerado o pai do cinema sueco. Não à toa, o documentário Bergman – 100 Anos, da cineasta Jane Magnusson, lançado em 2018, tem como foco o ano de 1957.  

Ao longo de mais de 60 anos de carreira, Bergman criou filmes que revolucionaram a produção cinematográfica no mundo graças à sua iniciativa de subverter regras e acrescentar à linguagem do cinema novos elementos. Fora a abordagem de temáticas existenciais, tornaram-se características de seus filmes as narrativas fragmentadas; a habilidade de trabalhar com os contrastes entre luz e sombra; seu interesse por histórias protagonizadas por mulheres; e as tomadas tão próximas do rosto dos atores que fazem o público conseguir captar precisamente os medos e anseios dos protagonistas. “O close-up em um ator, quando corretamente iluminado, dirigido e atuado, continua sendo o auge da cinematografia. Aquele contato estranho e misterioso que você pode de repente experimentar com uma outra alma através do olhar de um ator. Um pensamento súbito, um sangue que escorre pelo rosto, as narinas trêmulas, a pele repentinamente brilhante ou o silêncio mudo. Esses para mim são alguns dos momentos mais fascinantes e incríveis que você irá experimentar.” 

Somam-se ainda outras obras-primas como Fonte da DonzelaSonata de OutonoPersona e Gritos e Sussurros (essas duas últimas as preferidas do diretor “Foi o mais longe a que cheguei”), o diretor foi premiado sete vezes no Festival de Cannes (incluindo a Palma das Palmas, prêmio inédito até hoje) e ganhou dois Ursos de Ouro no Festival de Berlim, um Leão de Ouro no Festival de Veneza e três vezes o Oscar de melhor filme estrangeiro. Seu trabalho influenciou diretores como Woody Allen (que homenageia Morangos Silvestres em Descontruindo Harry), Andrei Tarkovsky, Martin Scorsese, Pedro Almodóvar, François Ozon, Asghar Farhadi, Lars von Trier e Guilhermo del Toro. A Bravo! fez uma ótima seleção dos cinco filmes essenciais para entender a obra do diretor sueco. 

Bergman era integrante de uma geração de cineastas que buscava criar obras autorais (dos longas-metragens que dirigiu, apenas seis não são baseados em um roteiro que assinou), sérias e artísticas cujo valor não pudesse ser mensurado apenas pelo sucesso nas bilheterias. Além disso, seu objetivo era fazer filmes que falassem diretamente com o inconsciente coletivo do público. “Nenhuma outra forma de arte vai além da consciência ordinária como o cinema, que vai direto nas nossas emoções, fundo no crepúsculo da alma.”  

Fora o trabalho no cinema, o diretor também atuou no teatro, produzindo 126 espetáculos (costumava dizer que era um homem de teatro, sua primeira grande paixão), além de 39 peças de rádio e programas para a televisão. Em uma das cenas mais icônicas de o Sétimo Selo, a morte pergunta ao cavaleiro se ele nunca para de se questionar ao passo que ele responde “não, eu nunca paro”.  Bergman seguiu com seus questionamentos existenciais até 2003, quando se aposentou aos 85 anos. Ele morreu em 2007, aos 89 anos, sozinho em sua casa na Ilha de Faro, cenário de muitos de seus filmes. Muito mais que filmes “intelectuais”, ele deixou um legado de obras que nos ajudam a entender quem somos e qual é o real sentido da vida.